Qual é a graça num jogo entre o Espérance, da Tunísia, e o Al-Sadd, do Catar?
Nenhuma. Quem se importa com eles além de alguns tunisianos e outros poucos catarenses? Mesmo se tratando de um jogo válido pelo Mundial de Clubes, duvido que desperte o interesse de muita gente, mesmo numa época do ano em que o noticiário esportivo anda às moscas. Nem o jogo do vencedor deste confronto contra o Barcelona deve empolgar muito. O que todos aguardam é o muito provável e praticamente inevitável jogo entre os campeões da Europa e da América do Sul.
Para a grande maioria é difícil ver grandiosidade num jogo entre um grande clube europeu e um desconhecido catarense, mesmo se tratando do campeão asiático, muito menos num jogo entre dois times desconhecidos. O formato atual perdeu o pragmatismo do (para muitos, saudoso) TOYOTÃO, pois é inegável que no futebol de hoje raramente uma equipe de fora do eixo Conmebol-UEFA poderia se destacar numa competição como esta, e todo o interesse fica voltado apenas para a grande final. Mas essa gente da Ásia, da África, da Oceania e das Américas não-do-Sul toma refrigerante, compra carro, mora no mesmo mundo que nós e inclusive suas respectivas federações de futebol votam para eleger o presidente da FIFA. É justo que tenham o direito de participar de uma competição que decide quem é o melhor do planeta. Mas acontece que este fato não impede que se discuta como é que deve ser esta participação. Por que não agregar valor à competição (para usar uma expressão bastante em voga), fazendo um torneio maior, com mais times que não apenas os campeões continentais? Os representantes da Conmebol, da Oceania e da Ásia que agora estão no Japão disputaram seus torneios continentais sem terem sido campeões de seus países. Se o vice-campeão brasileiro pode ser campeão da Libertadores, por que o vice da Libertadores não pode ser campeão mundial?
Façamos um exercício de imaginação: um Mundial de Clubes com 16 participantes, divididos em quatro grupos. A Conmebol indicaria os quatro primeiros colocados da Libertadores, assim como a UEFA faria com a UCL, e as demais federações seus campeões e vices. Com base nos resultados deste ano, o torneio teria os seguintes participantes
Conmebol
Santos
Peñarol
Vélez Sarsfield
Cerro Porteño
UEFA
Barcelona
Manchester United
Real Madrid
Schalke 04
Concacaf
Monterrey
Real Salt Lake
CAF
Espérance
Wydad Casablanca
AFC
Al-Sadd
Jeonbuk Hyundai Motors
OFC
Auckland City
Amical
Dividindo as equipes em quatro grupos e tendo os campeões e vice da UEFA e da Conmebol como cabeças de chave, poderia-se ter o seguinte panorama:
Grupo A Grupo B Grupo C Grupo D
Santos Barcelona Peñarol Manchester United
Schalke 04 Cerro Porteño Real Madrid Vélez Sarsfield
Wydad Jeonbuk Monterrey Auckland City
Amical Real Salt Lake Al-Sadd Espérance
E agora vem o "pulo do gato": ao invés de realizar os jogos em um único país sede, os confronto entre as equipes do mesmo grupo seriam em seus respectivos estádios, ida e volta: o Santos jogaria em Gelsenkirchen, no Marrocos e em Vanuatu e receberia seus três adversários na Vila; o Barcelona jogaria na Olla; Real Madrid e Peñarol duelariam no Santiago Bernabéu e no Centenário, mas também jogariam no México e no Catar; a imprensa esportiva inglesa, argentina e tunisiana voltaria sua atenção para a Nova Zelândia. Os dois melhores de cada grupo se classificariam para disputar as quartas-de-final, em jogos de mata-mata, de onde sairiam quatro semifinalistas e por fim as grandes finais, em dois jogos, sendo que aquele com melhor desempenho decidiria em casa.
Teríamos um torneio de clubes realmente mundial. Havendo mais jogos entre grandes clubes aumentariam as atenções voltadas à competição e com o passar do tempo até poderiam surgir algumas rivalidades transcontinentais. E os pequenos? Talvez o sonho de ser campeão do mundo se torne até mais difícil, mas ganhariam uma visibilidade que nunca tiveram até então. Atualmente, qualquer congolês com um pouco de talento já é levado, com 12 anos, para a terceira divisão francesa. Com a perspectiva de visibilidade e valorização, os times dos demais continentes não precisariam aceitar qualquer proposta que chegasse do Dynamo Vladivostok querendo levar suas promessas. O mundo passaria a dar mais atenção ao futebol praticado "na periferia".
Com um número maior de participantes aumentaria muito o interesse pelo torneio. Se formos analisar os times que teriam participado da competição desde 2005, quando o atual formato foi implementado, mas sob os critérios hipotéticos aqui sugeridos, já teriam acontecidos jogos do Mundial de Clubes nos seguintes países: Egito, Tunísia, Camarões, Congo, Nigéria, Marrocos, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Uruguai, México, Costa Rica, Estados Unidos, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Síria, Irã, Coréia do Sul, Austrália, Catar, Polinésia Francesa, Ilhas Fiji, Ilhas Salomão, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Vanuatu, Inglaterra, Holanda, Itália, Espanha, Alemanha e França. As últimas fronteiras do futebol seriam definitivamente desbravadas.
Claro que há muito de utopia nesta ideia, inclusive vejo até alguns pequenos empecilhos que dificultariam sua implementação, especialmente em relação aos longos deslocamentos e as datas para os jogos. Nos resta apenas torcer para o rápido desenvolvimento da aviação supersônica comercial ou talvez para que os cientistas descubram alguma maneira para diminuir a velocidade do movimento de translação da Terra.
Quem sabe um dia...
Quem sabe um dia...