Ele pegou o livro, num misto de desconfiança e contragosto. Folheou-o rápida e aleatoriamente, parando na página 29, início do capítulo referente aos índios, tema que lhe é caro. Fixou-se nesta página e começou a lê-la. Caso tenha feito desde o primeiro parágrafo, o texto é este abaixo:
"Em 1646, os jesuítas que tentavam evangelizar os índios no Rio de Janeiro tinham um problema. As aldeias onde moravam com os nativos ficavam perto de engenhos que produziam vinhos e aguardente. Bêbados, os índios tiravam o sono dos padres. Numa carta de 25 de julho daquele ano, Francisco Carneiro, o reitor do colégio jesuíta, reclamou que o álcool provocava "ofensas a Deus, adultérios, doenças, brigas, ferimentos, mortes" e ainda fazia o pessoal faltar às missas. Para acabar com a indisciplina, os missionários decidiram mudar três aldeias para um lugar mais longe, de modo que não ficasse tão fácil passar ali no engenho e tomar umas. Não deu certo. Foi só os índios e os colonos ficarem sabendo da decisão para se revoltarem juntos. Botaram fogo nas choupanas dos padres, que imediatamente desistiram da mudança."
Mesmo percebendo sua aparente reprovação, resolvi provocar:
- Leve-o com o senhor, umas 3 ou 4 noites de pouco sono são suficientes para o ler.
- Não, obrigado - respondeu com a calma que lhe é peculiar - o que eu li já me basta para saber que isso não pode ser levado a sério.
A desaprovação do meu paciente somente reflete parte do sentimento causado pelo livro Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch. Afinal, a publicação trás algumas "verdades inconvenientes" sobre fatos e personagens da história do nosso país. Muitas pessoas não gostaram nem um pouco de saber (ou do fato de muitos finalmente descobrirem) que os índios brasileiros não eram assim tão cuidadosos com a natureza, que o líder negro Zumbi tinha escravos, que o Paraguai era um país muito pobre já antes da guerra, que os movimentos armados que lutaram contra o governo militar no Brasil não queriam a democracia mas sim uma ditadura ao gosto deles... enfim, coisas até bastante óbvias mas que sempre passaram batido nas aulas de história devida à elevada carga ideológica à qual os alunos são submetidos.
Apesar de fartamente embassado em referência documentadas, o autor deixa bem claro o intuito provocativo e até um pouco exagerado do livro, o que de maneira alguma arrefeceu os nervos de quem se ofendeu com o que leu.
Apesar de fartamente embassado em referência documentadas, o autor deixa bem claro o intuito provocativo e até um pouco exagerado do livro, o que de maneira alguma arrefeceu os nervos de quem se ofendeu com o que leu.
Mas se por um lado o livro causou alvoroço e indignação, especialmente na patrulha ideológica, por outro lado ele mostrou que existe uma grande parcela da população sedenta por um posicionamento contrário, com uma visão distinta do coitadismo que coloca nos outros a culpa por todas as nossas mazelas.
Ps. terminei de ler este livro em outubro do ano passado e somente relatei aqui após ficar sabendo do lançamento de sua continuação, o Guia Politicamente Incorreto da América Latina. Esta minha morosidade até que ajuda na minha tentativa de me livrar da imagem de "leitor voraz", de um "devorador de livros", imagem esta que por muito tempo eu mesmo alimentei. Sou uma pessoa normal, tá gente!, até meio preguiçoso com minhas leituras. Que fique bem claro.
Ps. terminei de ler este livro em outubro do ano passado e somente relatei aqui após ficar sabendo do lançamento de sua continuação, o Guia Politicamente Incorreto da América Latina. Esta minha morosidade até que ajuda na minha tentativa de me livrar da imagem de "leitor voraz", de um "devorador de livros", imagem esta que por muito tempo eu mesmo alimentei. Sou uma pessoa normal, tá gente!, até meio preguiçoso com minhas leituras. Que fique bem claro.
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