terça-feira, 20 de maio de 2008

Convenções II

Nesses dias fui experimentar uma cerveja produzida aqui na região. Na verdade eu já havia experimentado, mas na versão engarrafa e não em barril, como desta vez, e tivera uma boa primeira impressão do produto.

Fui a um restaurante, que representa esta cervejaria na cidade. O pessoal de lá estranhou que não fui para jantar, mas até aí tudo bem. Perguntei qual o “chopp” que eles tinham

(tenho preconceito com a expressão chopp, confesso que é bobagem minha, mas se eu pedisse uma cerveja trariam uma de garrafa). Marca “tal”, foi a resposta. Presumi que fosse o blockbuster “tipo Pilsen filtrado”, onipresente nos barris. Perguntei pela quantidade, e fui informado que se tratava da “taça normal”. Sem questionar os padrões de normalidade, pedi um.

Lá estava eu, em meio a diversas pessoas ávidas por fatias de pizza, diante de um copo de cerveja. Lembrei-me de Shakespeare : "eu daria toda a minha fama por uma caneco de cerveja e alguma segurança..."

Mas vamos lá: primeiro passo, a avaliação visual: Ok. Segundo passo, o aroma: muito bom, com nítida presença de malte. Finalmente, o sabor: o primeiro gole e... nada.

Bem, esse nada é mais simbólico. Acontece que a cerveja fora servida tão gelada, mas tão gelada que não consegui perceber os sabores da bebida. Novamente aquela velha convenção a respeito do chopp/cerveja ser servido “estupidamente gelado”.

Mas como condenar quem vende se quem consome exige que seja assim? O bar que ousar servir chopp a uma temperatura entre 3 e 4º, está fadado à maledicência, seguida da falência. O consumidor quer gelado porque aprendeu que gelado é melhor, muito melhor. Aí entram as grandes empresas do mercado, que através de incessantes campanhas de marketing, vendem-nos esta idéia equivocada.

Mas o chopp gelado é ruim??? Não, muito pelo contrário: o chopp gelado pode ser muito gostoso e refrescante. O problema é que deste modo não conseguimos aproveitar o sabor em sua plenitude. Mas para uma bebida produzida em escala industrial, cujo volume é medido em hectolitros, e que deve chegar ao consumidor final com um preço competitivo, o que torna necessário a utilização de matérias-primas como cereais não-maltados e outros carboidratos para diminuir o custo de produção, o fato de ser servido gelado ajuda a disfarçar sabores desagradáveis ou menos nobres. Pimba! No final, tudo se encaixa.

E caso alguém decida produzir uma cerveja puro malte, com ingredientes selecionados, corre o risco de ter prejudicado aquilo que seria o seu maior diferencial, o sabor, pois invariavelmente o consumidor irá exigir chopp gelado. Infelizmente, ainda não existe uma população economicamente significativa em termos de mercado consumidor que tenha conhecimento de que há diferenças entre um produto e o outro, principalmente fora dos grandes centros. Tanto que a grande maioria das micro-cervejarias nova tem como carro chefe uma Pilsen, que costuma ser servida conforme o convencionado.

Isso, por enquanto. Assim como aconteceu com o vinho, a chegada de cervejas importadas trouxe a oportunidade das pessoas descobrirem que existe vida fora das nossas “tipo Pilsen”. O crescimento das micro-cervejarias nacionais e do homebrewing também indicam um futuro melhor para estas cervejas tidas como “especiais”.

Quanto a mim, restou-me esperar a cerveja esquentar um pouco, para daí sim poder desfrutar de todo os sabor. E ela se saiu bem, em questão de qualidade o pessoal da cervejaria está no caminho certo. Mas em termos de mercado, ainda há muito a percorrer.

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