Quem já visitou Montevideo a passeio certamente viu uma das tantas obras do escultor José Belloni, artista que tão bem soube retratar seu país usando o bronze, tanto que alguns de seus trabalhos tornaram-se símbolos da capital uruguaia. O meu preferido chama-se El Entrevero, e retrata uma escaramuça de gauchos (sem acento no original em espanhol), cena corriqueira no forjar do país.
El Entrevero |
Monumentos em homenagem a personagens históricos, eventos importantes ou fatos dignos de lembrança são presença constante em praças, parques e avenidas mundo afora. E é por isso que (parafraseando os ministros do Supremo) causou-me espécie a reação negativa à instalação de um deles na praça de Cerro Largo. Presente da Sicredi, o monumento é (ou poderia ter sido?) uma homenagem ao centenário do cooperativismo na região noroeste do estado, e é semelhante ao que existe em Nova Petrópolis.
A principal crítica que li é devido à utilização de um espaço público (a praça) por uma empresa privada (Sicredi), algo que legalmente não poderia acontecer. Aqui já percebemos uma triste contaminação ideológica, tão fortemente incutida e que brota naturalmente, onde tratados como valores absolutos o público remete ao bem e o privado ao mal. Mas felizmente não é assim tão simples. No caso em questão, parece-me que a cooperativa pretende construir um monumento em local cedido pelo legislativo municipal (que numa democracia representativa tem a incumbência de tomar este tipo de decisão em nome da população que o elegeu) e a área não será de uso restrito da empresa mas permanecerá aberta e acessível como toda a praça. Nenhum espanto, nenhuma novidade: é absolutamente corriqueiro empresas, entidades, associações, etnias ou até países estrangeiros presentearem uma comunidade com algum monumento. E é algo muito salutar que as iniciativas não sejam exclusividade dos poderes públicos.
Na mesma praça há outros exemplos de monumentos construídos pela iniciativa privada, cuja existência em local público não foi contestada até então: os clubes de serviço Rotary e Lions possuem cada um o seu, ocupando o espaço que poderia ser de uma pessoa sentada tomando mate. O busto do padre Max foi erguido pelo Centro Cultural 25 de julho, outra entidade privada. Aliás, eu sinceramente não sei como ninguém até agora protestou contra o chafariz localizado no centro da praça, ornamentado com a figura de Netuno, o deus romano do mar, o que configura um flagrante atentado ao princípio da laicidade do Estado.
Outra queixa que li se refere a perda de uma área utilizada pela população para sentar e tomar mate. Mas nossa praça tem um tamanho que comporta uma população muito maior do temos atualmente. Não falta lugar e nem vai faltar, a área ocupada pela base do monumento é insignificante em relação ao tamanho da praça. Todos poderão continuar levando suas cadeiras dobráveis e suas térmicas que ainda encontrarão seu espaço. Também falou-se da perda de uma área verde, mas todas as praças possuem elementos de paisagismo junto à vegetação: as vias de circulação, bancos, iluminação, monumentos... é necessário que haja uma harmonia, uma sinergia entre o conjunto e que nenhum elemento se sobressaia em excesso. A beleza de uma praça está justamente no paisagismo, caso contrário torna-se uma reserva de mata que nem nativa é ou mesmo um potreiro. O concreto, com toda a sua brutalidade, pode ser uns instrumento para se atingir o belo. Outros reclamaram que o monumento prejudicaria a visão, tanto de quem está na praça e quer ver o movimento da rua, quanto de quem está passando pela rua e quer ver a praça. Mas neste caso é preciso levar em conta a harmonia que eu citei, pois um monumento deve-se somar ao conjunto, e tendo isto em vista o local escolhido é justamente o melhor por se tratar da porção mais baixa do terreno, com menor prejuízo à visão geral da área. Mas estranho que ninguém fale do banner que há na esquina oposta, que literalmente encobre uma parte da praça muito mais concorrida, e mesmo o palanque, certamente o elemento que mais oblitera a visão que temos da praça, será que seria o caso de destruí-lo?
Acho que faltou esclarecimento, e de ambas as partes. Em primeiro lugar trata-se de um presente para a cidade. Em segundo, a homenagem não é para a empresa em si, mas sim para uma filosofia, um modo de relacionamento econômico que permitiu o desenvolvimento da região em diversas atividades, adotado por muitos outros além do Sicredi. Por fim, não é nada que nunca fora feito antes, seja aqui, seja em qualquer outra cidade.
Claro que todos têm o direito de se manifestar, de expressar sua opinião, mas confesso que fiquei surpreso que além de uma tímida nota do Sicredi nos jornais locais, não vi mais ninguém manifestando-se favoravelmente. E não é por falta de argumentos.
Eu não ganho nada para defender a cooperativa e até nem mesmo sou sócio dela. Sinceramente, eu até preferiria que o local fosse utilizado para montagem do presépio, como sempre vinha ocorrendo em todos os Natais. Mas minha opinião é baseada em argumentos e naquilo que eu encaro como sendo correto e sensato, e não na insatisfação de muitos. Não vejo motivos para tamanho sentimento iconoclasta e tenho certeza que nossa praça vai ficar muito mais bonita.
Monumento ao cooperativismo, em Nova Petrópolis |