Tenho uma curiosidade gastronômica ímpar: apesar de procurar manter uma alimentação regrada, não perco a oportunidade de provar algum prato que até então não conhecia. E as viagens são oportunidades incríveis para satisfazer a minha fome pelo diferente.
Em nossa última noite em Salvador visitamos uma pequena feira de São João, perto do Farol da Barra: diversas barraquinhas ofereciam artesanato e pratos típicos, como tapioca, bolo de milho e quentão, algumas mesas para o pessoal sentar e comer, e um espaço para se dançar o forró que um trio de esforçados músicos tocava. Uma noite agradável para finalizar nossa lua de mel: conversar, comer, ver os outros também se divertindo, essas coisas bacanas de se fazer quando se está de férias.
Após alguns minutos, meu olhar atento mirou uma barraquinha ao fundo, onde num cartaz escrito à mão lia-se SARAPATEL. Um nome forte, sugestivo, mais do que suficiente para atiçar minha curiosidade. Vou até lá e pergunto para senhora que estava atendendo o que era esse tal de sarapatel. Ela nada respondeu, creio mais por estar entretida com outros afazeres do que por antipatia, mas de pronto levantou a tampa de uma enorme panela sobre o fogo. Vi um caldo escuro e espesso, borbulhando lentamente. Tão logo a panela foi aberta, uma enorme bolha do ensopado estourou, e fui fuzilado pelo odor nauseante de morcilha velha.
Foi horrível. Não me recordo, mas acho que retrocedi um ou dois passos. Agradeci sorrindo e voltei para nossa mesa, moralmente zonzo.
Inebriado por aquele odor a martelar meu olfato, fiquei pensativo. Comi uma tapioca, provei o quentão, mas o tal do sarapatel não saia da minha cabeça, e muito menos das minhas narinas. Minha esposa percebeu minha inquietação, pois com frequência eu voltava os olhos para a barraquinha. Será que minha curiosidade gastronômica não seria saciada e retornaria ao sul sem provar o dito cujo? Será que eu seria derrotado por um aquele prato?
Imagina a festa! |
O forró já não me animava mais e sentia que com essa minha atitude covarde eu corria o risco de estragar nossa noite. Não, de modo algum eu seria mais fraco que um ensopado qualquer, nosso último dia de férias não seria arruinado por causa de um cozido fétido. Assim como Rocky Balboa, encontrei forças para me levantar e ir ao encontro do "adversário" que me nocauteara. "Vou querer um sarapatel", disse à senhora, que talvez percebendo estar diante não de um trivial ato de alimentação mas sim de um quase Armagedon, literalmente adicionou mais uma dose de emoção ao embate: "vou servir duas porções pelo preço de uma".
Recebi um prato de plástico cheio de um ensopado denso, talvez o suficiente para ser usado como lastro em uma caravela. Claro que o odor permanecia o mesmo, não iria melhorar e muito menos teria o que piorar, mas minha disposição fez com que conseguisse suportá-lo. Voltei à nossa mesa, sob o olhar de espanto de minha esposa: "tudo isso?", ela reclamou. Mas acho que estava com pena de mim, talvez sabendo que o pior estava por vir.
Agora já não havia como retroceder: era sarapatel x Germano, e só haveria um vencedor.
Na primeira colherada constatei que o sabor era condizente com o aroma, com um forte realce da gordura. Um golpe pesado, mas suportável numa luta que recém iniciara. Mas a segunda e tão logo a terceira colheradas foram avassaladoras e fulminantes, como dois diretos no queixo. Tomado de fraqueza e envergonhado pelo fracasso, afastei o prato da minha frente sob o olhar de reprovação da minha esposa, não pela derrota mas sim por ter insistido no desafio.
Perdi, mas perdi lutando, de cabeça erguida. Não me achiquei, fui derrotado mas por um adversário mais forte do que eu. Mas mesmo assim foi uma derrota. Hoje eu penso que havia algo de errado naquele sarapatel, talvez ingredientes mal selecionados, ou quem sabe fosse o que sobrara da noite anterior, esperando por algum turista desavisado e corajoso. E quem sabe, se o aspecto for um pouco melhor, eu até encare novamente o desafio. Não está descartada a hipótese de uma revanche.
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