Numa época em que peregrinar a algum lugar sagrado era uma forma muito importante de se viver a religiosidade (algo difícil de se entender no mundo contemporâneo, tão avesso a manifestações de fé), ir até o local onde teriam sido encontrados os restos mortais do apóstolo Tiago tornou-se a alternativa a quem dificilmente conseguiria chegar a Roma e muito menos à Terra Santa. Hoje o percurso perdeu um pouco de sua conotação religiosa e tornou-se uma espécie de jornada introspectiva, de auto-conhecimento, algo meio new age, essas bobagens muito em voga hoje em dia.
Os entendidos dizem que não existe um único caminho mas sim várias rotas. O que é bastante óbvio: por que um morador de Lisboa iria se deslocar até Saint Jean Pied-de-Port para somente dali finalmente iniciar sua peregrinação? Pessoas de diferentes localidades percorriam trajetos distintos por razões de logística e de praticidade. No final, o trecho conhecido como Caminho Francês acabou se tornando o mais famoso, muito provavelmente por ser utilizado por um número maior de peregrinos, já que servia a uma área mais populosa.
Outro mito em relação ao Caminho é que dizem que a jornada só é válida quando feita a pé ou, para a alegria desse pessoal descolado, de bicicleta. Mas por que isso? Só porque no medievo os peregrinos iam até Santiago de Compostela caminhando? Será que ninguém se deu por conta que naquele período esse era praticamente o único meio com a qual as pessoas conseguiam se deslocar? Ou acham que todo o mundo tinha o seu cavalo? Ou que havia algum transporte público? E por que de bike pode mas de moto não? E de carro, qual é o problema? No dia que eu for fazer minha peregrinação, seguirei a sugestão do finado jornalista Flávio Alcaraz Gomes: vou de carro. Não posso me dar ao luxo de ficar um mês inteiro caminhado e não serão bolhas nos pés que irão iluminar minha existência. Declino de tudo isso, prefiro curtir a paisagem tranquilo, parando onde me parecer aprazível, tirar umas fotos, conhecer os povoados nas redondezas, entrar em imponentes igrejas ou mesmo em humildes templos que lá estão há muitos séculos, contemplando silenciosamente seu esplendor, fazer minhas orações, comer algo típico da região, dormir em uma boa cama... Fazer tudo com calma e um certo conforto, coisa de dois ou três dias.
Pela praticidade, a agilidade que se tem para percorrer os trajetos mais monótonos com mais rapidez, a liberdade para parar onde e quando quiser, dedicando o tempo que achar necessário àquilo que for de interesse e também pelo conforto, o automóvel é a melhor opção para o peregrino contemporâneo. Eu entendo que nesse caso a expressão Caminho designa um trajeto, um percurso com destino definido, e não uma caminhada.
Além disso, é provável que eu percorra apenas parte do percurso, de acordo com as circunstâncias do momento. Eu nunca iria para a Europa exclusivamente por causa do Caminho de Santiago, mas tentaria conciliar com uma visita à Península Ibérica, em meio a outros passeios, aproveitando para conhecer outras cidades e fazer outros "caminhos". Como meus interesses são mais histórico-culturais e espirituais, escolherei a rota que melhor se adequar às circunstâncias do meus passeio. Se existe o Caminho Francês, o Português, o Aragonês, o do Norte e até o Inglês, por que não pode existir o Caminho do Germano?
O importante é que ao seu final eu chegue a Santiago.
Nenhum comentário:
Postar um comentário