segunda-feira, 7 de novembro de 2011

No egoísmo selvagem

Uma pessoa que é capaz de abrir mão de tudo o que tem para ir em busca de um sonho e para quem o mais importante é a sua liberdade. 

Àqueles que estão cheios de trabalhos para fazer e responsabilidades para administrar, é provável que isso desperte uma certa inveja. Afinal, quem não gostaria de ser livre para fazer o que quiser, independente da opinião dos outros?

Isso foi o que almejou Christopher McCandless, cuja história inspirou o livro e depois o filme Na Natureza Selvagem (ou no original, Into the Wild). Apesar de ler e ouvir muitos elogios a respeito da história, demorei para ver o filme, embora tenha quase comprado o livro no século passado, quando o tive em minhas mãos à sombra dos jacarandás da Praça da Alfândega. Acabei devolvendo-o ao livreiro, o que se mostrou ser uma sábia decisão: a minha imaturidade de então certamente faria com que eu formasse uma opinião equivocada a respeito do protagonista e não percebesse nele a figura incoerente, egoísta e incapaz de amar que ele realmente foi.

Chris, apesar de criticar com veemência a sociedade, o dinheiro, a carreira profissional, o apego aos bens materiais, não se furtou em se valer de frutos desta mesma sociedade para se manter: afinal, se a humanidade fosse formada por indivíduos misantropos como ele nunca conseguiria atingir os avanços tecnológicos e o conhecimento que temos hoje em dia r que nos permite constuir carros, trens, armas de fogo, lunetas, facas, imprimir livros e confeccionar roupas para suportar o frio. Por trás de um saco de arroz há milênios de evolução da agricultura, irrigação, agronomia, geologia, química e até metalurgia. Foi a sociedade desprezada por ele que lhe possibilitou matar a fome com arroz cozido após suas infrutíferas caçadas. Um mundo sem relações comerciais, sem empresas, sem pessoas dedicadas ao trabalho, sem responsabilidades conseguiria construir um ônibus como aquele em que ele se protegia do frio? (Aliás, um belo International Harvester K-5 de 1946, segundo o IMCDb, de onde eu "roubei" a foto abaixo). Por que ele não cavou um buraco na terra, usando somente às mãos, é claro? Por que não construiu uma casa com pedras?


Numa tentativa de justificar a revolta do rapaz, em certo momento o filme começa a retratar antigos conflitos familiares, a péssima relação entre seus pais, a vida de aparências, a relação fria entre pais e filhos, motivos que teriam sido determinantes na formação da personalidade do protagonista. O que ele faz? Tenta reconciliar seus pais, mostrar-lhes que estão errados? Não, ele era egoísta de mais. Pouco importava a situação de seus pais, o que eles pensavam, como estavam e o quanto eles sofreriam com sua partida e com a impossibilidade de restabelecer contato. Apenas a satisfação pessoal lhe interessava. Como se ele não tivesse nada a ver com tudo o que seus pais estavam passando, que tudo aquilo não era seu problema também. Muito melhor e mais fáciel é sair andando sem rumo pelo país.

Mas o grande problema do nosso "herói" era outro. Chris mostrou-se uma pessoa incapaz de amar: nem seus pais, nem a hiponga que queria transar com ele, nem ninguém durante toda a história. Àqueles que poderiam ser-lhe úteis para atingir o seu intento, Chris dispensava certa cordialidade, mas nunca amor. Com isso, conseguia angariar alguma simpatia por onde passava, o que facilitava sua tarefa de viver às custas dos outros. Mas para quem não lhe era útil restava apenas e seu desprezo. Dado momento ele vê um sorridente jovem de terno em uma lanchonete e sobre este rosto projeta o seu, como se esse fosse o futuro que lhe estaria reservado caso continuasse seus estudos ou começasse sua carreira profissional. Na sua mente egoísta viu um escravo do "sistema", um alienado, indiferente à miséria que existia naquelas ruas e que aliás devia até ser um dos responsáveis por tudo aquilo. Pouco importava se na verdade tratava-se de um jovem dedicado, estudioso, querido por todos, que visitava com frequência seus pais ou seus avós, talvez até um responsável pai de família. Se ele estava feliz e bem vestido, é porque era cúmplice de todo o mal do mundo.

Por fim, Chris consegue seguir o seu caminho e chegar ao seu destino. Não quero entrar no mérito do quanto deve ser divertido morrer de fome, frio e dor de barriga num lugar lindo como o Alasca. Para mim, "Alex Supertramp" foi um baita idiota.

2 comentários:

  1. Até a parte do "jogar tudo para cima", acho que todo mundo sente uma invejinha do Chris, de como ele conseguiu largar a mão. Mas essa incapacidade dele de se relacionar lembra uma frase que li: o solitário, antes de tudo, é egoísta, pq espera que alguém venha lhe buscar no seu isolamento (eu sei bem disso).

    No caso dele, ele até buscava o contato com pessoas, mas não sei se tanto para usar as pessoas ao seu redor para sua sobrevivência, como conseguir comida ou outros suprimentos - já que muitas vezes ele recebia ajuda mesmo insistindo que ela não era necessária. Acho que a necessidade de contato dele era para que inflassem seu ego mesmo

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  2. Eu não notei necessariamente uma crítica aberta à sociedade. Ele apenas optou pelo isolamento.
    Só para ilustrar a minha colocação, eu não gosto de balada, portanto eu não vou à balada, mas também não fico do lado de fora empunhando cartazes demonstrando como os baladeiros estão errados.

    Além do mais numa análise mais profunda eu posso afirmar que qualquer atitude humana é egoísta, não é uma característica única do Christopher McCandless.

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