quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Há caracóis.

Admiro quem consegue se expressar com objetividade, fazendo uso de poucas palavras. E este é um dos motivos por ter sido prontamente cativado por um cartaz muito simples que vi com frequência pelas ruas de Lisboa, na porta de muitos bares. Uma frase simples, apenas duas palavras, sujeito inexistente, verbo transitivo direto e objeto direto, ornamentada com uma simpática figura desenhada a mão.


Simples, direto e objetivo. As duas palavras transmitem toda a mensagem em sua plenitude. O desenho também tem sua importância, é um belo reforço no apelo visual, capaz de chamar a atenção de olhos atentos que vislumbram detalhes da charmosa capital portuguesa.

Claro que no instante que vi este cartaz pela primeira vez minha curiosidade gastronômica despertou, soando o sinal de alerta: eu precisava comer aquilo! Já comentei que tenho uma certa compulsão em experimentar pratos diferentes, algo que costumo fazer quando viajo, mas desta vez teria pela frente uma "iguaria" de aspecto nada usual, como nunca antes provara.

Chegamos ao Bairro Alto pelo Elevador da Glória, e sem muito critério escolhi o primeiro bar que dava as boas-vindas aos seus frequentadores com o dito cartaz. Era uma noite fria, maio e o inverno europeu davam seus últimos suspiros.

Entramos e pedi um imperial (chopp). Ressabiado com o traumático episódios do sarapatel, escolhi a menor porção da prato e, sem muita espera, seu Manuel(?) trouxe até nossa mesa uma generosa quantidade dos moluscos, muito mais do que eu tinha a intenção de comer. Eles eram maiores do que as lesmas que existem por aqui, e comparadas com estas suas conchas apresentavam paredes bem mais rígidas.  


O gosto não era nada de excepcional, e a textura lembrava frutos do mar. Mas um detalhe deixou-me bastante incomodado: as "anteninhas", que na verdade são as haste que dão suporte aos olhos dos bichinhos. A presença delas não apenas tornava impossível dissociar minha comida à repulsiva imagem deste animal vivo, mas também dava a impressão de que aqueles caracóis iriam despertar a qualquer momento, primeiro com movimentos descoordenados das "antenas", depois com suas conchas mexendo-se pelo prato, e por fim com todos eles começando a se espalhar pela minha mesa, saindo em disparada(?) em todas as direções. Alguns voltariam para a cozinha, outros se afogariam nos copos de cerveja dos clientes, enquanto que os mais dispostos ganhariam as ruas, onde os que não fossem atropelados pelo eléctrico (bonde) poderiam chegar até a casa de fado que ficava uns passos dali. No dia seguinte, é claro.

O problema eram mesmo as "antenas". Não sei o quão trabalhoso seria para o cozinheiro removê-las uma por uma, também ignoro se o procedimento alteraria o sabor do produto. Talvez a solução seja o aprimoramento genético, desenvolver uma raça de caracóis sem olhos. Além de melhorar consideravelmente o aspecto visual do prato, algo fundamental numa experiência gastronômica, acabaria com o problema da fuga dos caracóis do seu cativeiro.

Como o sabor não me agradou, deixei mais da metade da porção no prato, satisfeito por ter encarado mais este desafio. Terminei meu chopp e saímos em busca de um bom bacalhau.

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